Destaques


Várias ilhas de programação em torno da marioneta foram desenhadas para o FIMFA Lx9... diferentes espaços... diferentes técnicas... objectos, performance, instalação, mecânica, vídeo, cinema, dança, experimentação, erotismo, marionetas...

Os primeiros dias são dedicados ao teatro de objectos, com duas propostas muito diferentes. A abertura oficial decorrerá no Museu da Marioneta, onde o Théâtre La Licorne apresenta um espectáculo para um actor, uma mesa, caixas de ferramentas e objectos miniaturizados para um encontro clandestino, efémeros momentos de circo. O seu teatro, surrealista e poético, inscreve-se não apenas na criação teatral contemporânea, mas também nos limiares das artes plásticas e marionetísticas, com um imaginário muito próprio feito de carne, papel, ferro, cores e de sons. Um demiurgo furioso vai dar vida a miniaturas épicas para imortalizar momentos invulgares, absurdos, cruéis ou insólitos, numa pequena arena onde está contida toda a beleza, tristeza e alegria... singular e inesquecível.

Ainda no campo do teatro de objectos, a companhia Tàbola Rassa apresenta uma insólita e divertida adaptação de um grande clássico, “O Avarento” de Molière, com torneiras, tubos e mangueiras como protagonistas, recipientes manipulados por dois actores que dão vida a doze personagens. Nesta curiosa proposta já não é o dinheiro que todos cobiçam, mas a água. O teatro de objectos pressupõe um olhar diferente sobre o mundo que nos rodeia, um convite para perceber em cada objecto as marcas da humanidade que o criou. É esta dimensão humana dos objectos que o espectáculo nos quer revelar. Imperdível!

No Teatro Maria Matos apresentaremos companhias que se têm salientado internacionalmente pelo desenvolvimento de novos conceitos e novas linguagens, ao tentarem esbater fronteiras e criar novos enquadramentos para a marioneta numa perspectiva artística contemporânea. Os temas principais serão a interligação entre a marioneta, performance, vídeo, pintura, dança e música.

O revolucionário grupo Akhe Theatre, uma das companhias russas de teatro independente mais conhecidas, apresenta-se novamente no FIMFA com a sua última criação multimedia: “Gobo. Digital Glossary”. Os Akhe gostam de chamar os seus espectáculos de “Teatro de Engenharia”, com um certo toque de ironia, uma vez que estes estão cheios de absurdos, objectos estranhos e de referências artísticas, mas são também caracterizados muitas vezes como “teatro óptico”. Os seus trabalhos são uma combinação de happenings, artes plásticas, instalação, vídeo e fotografia. Os actores definem-se a si próprios como “operadores do espaço cénico”. O espaço é uma das personagens do espectáculo. “Gobo. Digital Glossary” oscila entre uma instalação e mini-performances. Histórias contadas de maneiras diferentes, utilizando uma grande variedade de formas (cinema mudo, teatro de sombras), apresentam ironicamente o “herói inexistente dos nossos tempos”, ingénuo e ferido, bombástico e desesperado, sentimental e descuidado. Água, fogo, papel, luz, som, cor, movimento... Caos mágico, tão absurdo e bizarro, bem como familiar. Mistura animação, cinema, pintura, elementos da natureza e da tecnologia digital. A cenografia não é mais do que um complexo laboratório cheio de artefactos, cabos, câmaras, líquidos, bonecos, raios laser e guitarras eléctricas, dispostos para a sua peculiar experimentação poética. Mini-câmaras registam os acontecimentos que são projectados em ecrãs para obter uma espécie de ‘visão múltipla’ do mesmo facto. Da obscuridade à luz, do riso ao choro, do absurdo à empatia... à flor da pele, uma experiência visual e sensorial!

A companhia belga Mossoux-Bonté apresenta um espectáculo que se tornou uma referência antológica do teatro visual e de marionetas contemporâneo, pela qualidade e beleza do seu movimento, referido nos manuais mais importantes, numa interessante junção entre dança e marionetas. Uma manipulação extraordinária de Nicole Mossoux e cinco marionetas, que confundem o público, ao ponto de não se saber quem é a marioneta e o manipulador, quem está vivo, quem está inanimado. The Guardian referiu-se a Twin Houses como “uma peça muito surpreendente de teatro visual: misteriosa, sinistra, erótica, semelhante ao cruzamento entre o horror gótico de Edgar Allan Poe e... o surrealismo belga”.

Ainda no Teatro Maria Matos o extraordinário concerto de objectos animados, “Pendule”, pelo colectivo Métalu a Chahuter. Uma instalação mecânica gigante construída a partir de diversos objectos e materiais. Uma verdadeira fábrica de música articulada que ganha vida e multiplica os sons através de reacções mecânicas accionadas pelos seus manipuladores, o que permite ao espectador ver o que ouve e ouvir o que vê. Uma máquina sonora entre a escultura e a instalação animada... absolutamente a não perder!

No Teatro Nacional D. Maria II estarão grandes nomes e mestres que, pelo seu percurso artístico, têm maravilhado, influenciado e impulsionado o campo das formas animadas. Pela primeira vez em Portugal a companhia alemã Familie Flöz, que tem seguido e desenvolvido uma interessante linha artística e um inimitável estilo, com um humor singular, sendo unanimemente considerada pioneira na regeneração do teatro de máscaras europeu. Um grupo internacional de criadores teatrais, actores, músicos, bailarinos, directores, construtores de máscaras, desenhadores de luzes e de figurinos, cenógrafos, dramaturgos e outros profissionais provenientes de dez países. No principal palco da cidade apresentam a sua última criação, “Hotel Paradiso”, uma mistura entre um thriller verdadeiramente Hitchcockiano e o humor silencioso de Charlie Chaplin... acontecimentos muito estranhos ocorrem neste tradicional hotel, lutas familiares, empregados esquisitos, cadáveres... Nunca até agora a Família Flöz tinha sido tão malvada e misteriosa. Um sonho alpino cheio de humor negro, sentimentos tormentosos e um toque de melancolia.

Neville Tranter, Stuffed Puppet theatre, o grande mestre da arte da manipulação e actor de excelência, figura incontornável do teatro de marionetas contemporâneo apresenta-se pela primeira vez em Lisboa, com o espectáculo “Vampyr”. Um conto de fadas para adultos. Uma história que junta rituais, medos, romantismo, coragem, cobardia… mas também algumas gotas de sangue. Uma história sobre a vida e a morte, casamentos de pais solteiros, o crescimento dos filhos e de vampiros, condimentada com terror, humor e infidelidade. Em “Vampyr”, como em todos os trabalhos teatrais de Neville, experienciamos as trágicas limitações da vida. Personagens que lutam com as suas origens, circunstâncias e ambientes e com a inevitável passagem do tempo... Virtuosidade, poder e humor avassalador, Neville Tranter e as suas extraordinárias marionetas... Cada espectáculo propõe uma visão do mundo corrosiva, cómica e trágica, com uma infinita ternura pelos “deslocados”, os frágeis, os deixados por sua conta e risco. Depois de Faust, Macbeth, Salomé, Frankenstein e Hitler, Neville convida-nos de novo a reencontrar monstros: os vampiros...

No Museu do Oriente a magia das sombras chinesas com o Téâtre du Petit Miroir e o seu incontornável fundador, Jean-Luc Penso. Inspirado pelas artes dramáticas chinesas apresenta já há cerca de 30 anos, espectáculos com marionetas tradicionais chinesas, para além de outras criações baseadas nos grandes temas da mitologia mundial e do repertório francês. Este percurso apoia-se numa técnica rigorosa adquirida em Taiwan, durante anos, com o mestre Li Tian Lu, uma das personagens chaves do mundo das marionetas, artista maravilhoso e grande pedagogo, falecido em 1998. Herdeiro deste grande mestre das marionetas, o Théâtre du Petit Miror, continua a propagar esta tradição chinesa. A Criança Mágica e o Rei Dragão é um espectáculo retirado do romance épico Fengshen Yanyi (A Investidura dos Deuses ou Unção dos Deuses). No teatro de marionetas, e por superstição, esta história de lutas divinas só pode ser apresentada num teatro de sombras. As marionetas de sombras chinesas não são apenas sombras, mas figuras de pele, finamente esculpidas e pintadas, translúcidas, que projectam sombras coloridas no ecrã. As marionetas utilizadas neste espectáculo, em pele de búfalo, são na sua maioria bastante antigas, sobreviventes da Revolução Cultural, onde muitas foram queimadas, e pertencem à colecção da companhia. Possuem figurinos ricamente bordados e as suas cabeças são esculpidas com extremo detalhe e meticulosidade. Os mesmos cuidados são dados à representação, onde uma virtuosa gestualidade revela epopeias faustosas, e a música desempenha um importante papel. Todo este conjunto é de tal forma cuidado, que nos esquecemos que estamos perante um espectáculo de marionetas. Um espectáculo a não perder, de rara beleza e magnífica manipulação, recriado pelo Théâtre du Petit Miror.

No Centro Cultural de Belém o destaque vai para a interessante e conhecida companhia belga Tof Théâtre que apresenta a sua última criação, “Sur la Dune”, um espectáculo intimista, onde temas como a loucura, a ternura, o minúsculo e o surrealismo serão abordados. A não perder também “Le Grand Théâtre Mécanique Denino”, um verdadeiro teatro à italiana em miniatura com 700 lugares, com o seu público e o seu espectáculo. A sala está cheia, mas ainda restam 10 lugares em cada sessão - no galinheiro. Venham deslumbrar os vossos olhos num mundo em miniatura maravilhoso e cheio de poesia, pois é único!

O festival é ainda composto pela apresentação de muitos outros trabalhos artísticos interessantes. No Museu da Marioneta destacamos ainda a estreia do espectáculo “Dura Dita Dura”, do Teatro de Ferro, co-produção realizada com o FIMFA. Uma criação para todas as idades acerca da atmosfera de terror surdo que reinou durante meio século num país onde as paredes tinham ouvidos. Dar a conhecer um passado ainda próximo que tende contudo a esbater-se nas «brumas da memória». Objectivo que nos parece urgente, quanto mais não seja porque já não falta, aqui e agora e por aí fora, gente a dizer que a ditadura salazarista não é tão má como a pintam. Um tema importante por um grupo português que tem desenvolvido um peculiar projecto artístico. Márcia Lança, vencedora do concurso Jovens Artistas Jovens, apresenta o seu solo “Dos Joelhos para Baixo”, um curioso objecto, homens e mulheres de papel. Personagens expostas a sequências de acontecimentos que determinam o seu fim ou continuação na peça. Uma cidade de papel toma forma lentamente. A Cie Jamais 203 vai proporcionar uma viagem sensual com o seu “Le Cinérotic”, uma invenção composta por três cabinas individuais de projecção para espectadores amadores de... bicicleta. O cineasta Roger Toulemonde, seguidor de Godard, Belmondo, Tati, Hitchcock e James Bond convida a todos no FIMFA para um novo género cinematográfico: o cinema erótico. Humor mecânico, filmes vintage Super 8 e as pernas dos espectadores num divertimento sensual e pedalado. A companhia La Chana Teatro apresenta “Entre Dilúvios” uma curiosa abordagem ao teatro de objectos com um texto cheio de humor: contar histórias com objectos e palavras, de forma poética e absurda. A origem do mundo e várias passagens bíblicas que falam do Paraíso, de Caím e Abel e da Arca de Noé, mas que nos mostram outras realidades a que não estamos habituados. Os conflitos fundamentais do homem, a sua relação com o espaço, com a posse da terra, a religião, de uma forma surpreendente e absolutamente não religiosa. A não perder, absolutamente, o trabalho da jovem companhia suíça La Tête dans le Sac – Marionnettes, um trabalho de imaginação e manipulação prodigiosa sobre o universo de Fantômas, um espectáculo especial, surreal, revolucionário e de terror, com vinte marionetas e dois marionetistas. A beleza das marionetas de luva de Taiwan, pela companhia Taiyuan Puppet Theatre, vai com certeza marcar o festival, bem como a presença do mestre Chen Xihuang, com 78 anos, que é actualmente o marionetista mais célebre de Taiwan. Iniciou o seu percurso com marionetas quando tinha 13 anos, junto do seu pai, o famoso marionetista Li Tian lu. Durante cerca de 60 anos, Chen desenvolveu e melhorou as técnicas das marionetas de luva de Taiwan, elevando-as a um nível extremamente alto. A sua versatilidade, a sua herança e personalidade tornam-no um actor fora de série do teatro de marionetas, bem como uma figura carismática das artes de Taiwan. Mestre Chen irá mostrar ao público a delicada gestualidade e movimentos específicos de diversas marionetas de luva, com uma agilidade e beleza surpreendentes.

No CAMa – Centro de Artes da Marioneta salientamos a Cie À, com um espectáculo de pequenas formas absolutamente genial, “La Chambre 26”. Um solo de teatro de objectos e de postais. Alguns coleccionados, guardados dentro de uma caixa com as suas histórias e as suas palavras, as suas paisagens e a sua música... abrir um dia a caixa e deixar escapar as notas destes fragmentos de memórias, para não as esquecer no fundo de uma gaveta...

Ainda no campo das pequenas formas, outra pequena surpresa será apresentada no foyer do Teatro Nacional D. Maria II, o “Cyclo Théâtre”, pela companhia Clair de Lune, sediada na Bélgica, criada pelo português Paulo Ferreira. Um teatro de sombras móvel, sobre rodas, para onde o público pode espreitar e entrar por uma viagem surrealista de alguns minutos no interior de um cenário sumptuoso de um grande teatro em miniatura.

As ruas de Lisboa não foram mais uma vez esquecidas e o que acontecer, não vai de certeza passar despercebido... Big Rory, um dos maiores gigantes escoceses do mundo e o seu fiel cão, Ochie, muito amado, mas também muito maroto! Os dois dão um passeio por Lisboa, mas inevitavelmente gera-se a confusão total enquanto Ochie caminha, faz xixi em postes de candeeiros e sabe-se lá o que mais, com o Big Rory numa perseguição nervosa tentando conter o caos... Um espectáculo onde (de certeza absoluta) as pessoas irão rir às gargalhadas.
Outros gigantes serão as “Mamãs” africanas, da companhia Planet Pas Net, com os seus bebés às costas., com as suas bijutarias e os seus fatos coloridos, que vos convidam à descoberta e a um encontro muito especial na própria cidade. Oferecem um olhar cheio de doçura sobre o mundo, um momento mágico, poético e ternurento.

Realce ainda para um conjunto de actividades complementares, como o “Encontro com os Criadores”, a quinzena de livros “Teatro, Marionetas, e Formas Animadas”, exposições e workshops que serão realizados durante o período do Festival.